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BCs da América Latina olham para além da pandemia conforme fantasmas da inflação reaparecem

Abraham Gonzalez
Abraham Gonzalez
Correspondente de economia e mercados na Thomson Reuters
Rodrigo Campos
Rodrigo Campos
Emerging Markets Correspondent at Reuters News Agency

Os bancos centrais da América Latina se tornaram mais “hawkish” conforme fantasmas inflacionários na região voltam a assombrar, com a recente reviravolta na sinalização do Federal Reserve fortalecendo expectativas do mercado de políticas monetárias mais rígidas.

Nas últimas três semanas, os bancos centrais do Brasil e do México, as duas maiores economias da América Latina, aumentaram suas taxas de juros de referência. A decisão era amplamente esperada no caso brasileiro, mas foi um choque para investidores atentos ao BC mexicano.

Os movimentos refletem como um repentino alerta vermelho de inflação passou a soar para autoridades de uma região onde países passaram anos lutando contra hiperinflação (Brasil) ou ainda enfrentam aumentos anuais de dois dígitos nos preços (Argentina).

A pressão inflacionária na América Latina contrasta bastante com o que ocorre nas economias emergentes da Ásia, onde os bancos centrais estão, em grande parte, em modo de espera, com a demanda fraca enquanto as economias lutam para se recuperar da pandemia.

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No Brasil, os mercados agora esperam que os juros no final do ano fiquem acima dos níveis de 2019, antes das restrições da Covid-19 e quando as pressões inflacionárias ainda eram amenas.

“Alguns bancos centrais podem ter de aumentar seus juros para além de onde estavam antes do impacto da Covid-19, na medida em que esse choque vem acompanhado de preços de commodities muito mais altos e moedas mais fracas, uma combinação rara”, disse Gustavo Medeiros, vice-chefe de pesquisa da gestora de fundos Ashmore (focada em mercados emergentes), em Londres.

Mas ele disse que a tendência de enfraquecimento das moedas está mudando, “o que significa que as pressões inflacionárias daqui para frente serão muito menores”.

Caso em questão: o real caiu quase 8% no primeiro trimestre, uma das divisas mais fracas no início do ano (dentre as principais), mas se recuperou, chegando a ser a moeda de melhor desempenho no último trimestre, com um aumento de mais de 13%.

A forte reviravolta se deve em parte ao Banco Central do Brasil, agora um dos mais “hawkish” do mundo em relação aos países emergentes. Na virada do ano, a taxa Selic estava em uma mínima recorde de 2% e o Comitê de Política Monetária (Copom) tinha uma orientação voltada para a manutenção dos juros.

Com a inflação acima da projeção, o Copom apresentou em março a primeira alta em quase seis anos. O comitê aumentou a taxa em 0,75 ponto percentual e voltou a fazê-lo em cada uma de suas próximas duas reuniões, o que levou a taxa a 4,25%. O colegiado até mesmo discutiu aumento maior em sua reunião de junho.

“À medida que a economia mundial se recupera rapidamente, as pressões inflacionárias têm se manifestado primeiro nos mercados emergentes”, disse a agência de classificação de risco de crédito S&P nesta semana, destacando o aperto acelerado na política monetária brasileira. “Outros países da América Latina provavelmente farão o mesmo até o final do ano.”

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse na semana passada que o real tem espaço para se fortalecer frente ao dólar, que, segundo Guedes, deve cair “bem mais”. O Copom pode obter alguma margem de movimentação nas taxas de juros caso uma moeda mais forte consiga esfriar as pressões inflacionárias, dizem analistas.

Gerenciando Expectativas

No Chile, uma forte recuperação da demanda, termos de troca mais firmes, aumento da inflação e uma taxa de juros nominal “muito baixa” apoiam o “início de um processo gradual de normalização da política monetária”, disse o chefe de pesquisa econômica do Goldman Sachs para a América Latina, Alberto Ramos.

O México aumentou sua taxa básica de juros em 25 pontos-base, para 4,25%, na semana passada, aumentando expectativas de novas elevações. O mercado, por enquanto, precifica novas altas de 110 pontos-base até o final do ano.

A inflação anual no México foi de 6% em meados de junho, o dobro da meta de 3% do banco central.

Na Colômbia –onde as pressões inflacionárias permaneceram benignas em meio a um aumento esmagador do desemprego em decorrência da crise da Covid-19, mesmo com o peso enfraquecendo mais de 9% neste ano–, o banco central parece adotar um tom mais suave em relação a altas de juros.

Gerenciar as expectativas será fator importante para manter a credibilidade dos bancos centrais da América Latina, seja por meio de declarações mais “hawkish”, seja por aumentos materializados nos juros.

“Grande parte da saúde macroeconômica dos países da região dependerá da credibilidade que seus bancos centrais possam passar ao mercado”, disse o economista Jonathan Fortun, do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), à Reuters.

“Não fazer isso já deixou consequências muito dolorosas na região em diferentes momentos no passado.”

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