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Importação de milho pela China acende alerta sobre inflação no Brasil

Roberto Samora
Roberto Samora
Editor de Commodities & Energia, Thomson Reuters
Nayara Figueiredo
Nayara Figueiredo
Repórter de Commodities e Energia , Reuters

Um possível início de importações de milho do Brasil pela China ainda em 2022 é tido como um novo fator “altista” para os preços do cereal brasileiro no mercado interno, em momento em que a indústria nacional de carnes vinha finalmente vendo algum alívio em seus custos de insumos após um longo período de cotações sustentadas.

Os dois países têm avançado em um acordo para permitir o comércio do cereal. Embora a China seja a maior importadora de soja, carnes e açúcar do Brasil, hoje os embarques de milho aos chineses são inexistentes por questões fitossanitárias e de transgênicos. Mas o governo brasileiro espera viabilizar o começo dos embarques para este ano.

“É um fator de suporte, e suporte para prêmios (do milho brasileiro ante mercados futuros globais). Talvez não (seja suporte) para os mercados internacionais. O impacto da importação da China seria no preço interno com maiores custos para indústria local”, disse o analista de Grãos e Proteína Animal da hEDGEpoint Global Markets, Pedro Schicchi.

Com a colheita recorde de milho do Brasil neste segundo semestre e as expectativas provocadas pelas cargas ucranianas que começam a deixar os portos após um acordo internacional para viabilizar exportações, poderia ser esperado um alívio nos custos do grão para indústrias de frango e suínos, que dependem do cereal para alimentar as criações.

Mas o fator China, que já deixou os preços das carnes, especialmente a bovina, mais altos aos brasileiros, acende um alerta sobre pressões inflacionárias, quando o Brasil –com desonerações tributárias para vários setores– dá passos para tentar segurar a escalada dos índices de inflação.

“Um aumento intempestivo de exportação (de milho) tenderia a gerar uma pressão inflacionária”, disse o pesquisador do FGV/IBRE Matheus Peçanha, ponderando que, de outro lado, o ambiente de recessão global é fator de baixa para commodities minerais e agrícolas.

O pesquisador lembrou que os custos com insumos de rações têm sido elevados por fatores como a histórica quebra de safra no Brasil em 2021, por seca e geadas, e pela guerra na Ucrânia, grande exportadora, no início de 2022 –isso deixou as cotações do milho próximas de 100 reais/saca, antes de um recuo para 80 reais ao final de julho.

Paralelamente, China e Brasil estão negociando a abertura do mercado de farelo de soja chinês, mas o fato de o país asiático ser autossuficiente no derivado de soja –processando o grão importado do Brasil– não gera preocupações inflacionárias pelo menos no curto prazo, já que Pequim não seria um grande cliente em potencial.

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Impacto Local

No mercado internacional de milho, o analista da hEDGEpoint não vê grandes impactos de um início de exportações brasileiras aos chineses, uma vez que o trading global está mais focado no tamanho da safra dos Estados Unidos e na retomada de embarques da Ucrânia pelo chamado “corredor seguro” –segundo ele, há potencial escoamento máximo de 10 milhões de toneladas de milho ucraniano.

Pedro Schicchi lembrou ainda que o potencial de importação de milho brasileiro pela China é grande também porque a nova safra da Ucrânia –que garante parte da importação chinesa– será pequena, por conta da guerra.

A menor oferta da Ucrânia gerou, aliás, expectativas de que os embarques do Brasil possam ser recordes acima de 40 milhões de toneladas em 2022 –mesmo sem a China, com outros países recorrendo a produto brasileiro.

De outro lado, a China também busca garantir oferta alternativa ao milho dos Estados Unidos, especialmente em momento de tensão geopolítica relacionada à visita da presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, à Taiwan, ilha que Pequim reivindica como território chinês, destacou à Reuters Ariovaldo Zani, CEO do Sindirações, entidade que representa produtores de ração animal.

Segundo Zani, com a guerra envolvendo Ucrânia e Rússia e as tensões na Ásia, “há quem diga que eventualmente pode ter aliança político-econômica entre o Leste Europeu e China, e obviamente um afastamento ainda maior dos chineses dos Estados Unidos”, em movimento que ecoa as retaliações comerciais impostas no governo Trump.

“A China está sinalizando aos Estados Unidos que ela pode buscar insumos necessários em outros parceiros e o Brasil é grande exportador”, afirmou.

O analista da S&P Global Gabriel Faleiros concorda. “A China está amplificando os países que ela pode comprar, temos um milho bem competitivo”, disse ele, ressaltando que o chinês tem se movido para não depender tanto do milho norte-americano, e os dados de embarques da safra nova 2022/23 já mostram isso.

“A China entrando traria um novo fundamento para os preços no Brasil, dependendo do volume que eles comprarem.”

Zani, do Sindirações, disse que, se eventualmente o sucesso da exportação de milho do Brasil para a China for muito grande, isso deve atrapalhar a performance da indústria de carnes brasileira, que tem no milho e no farelo de soja importantes insumos para ração.

Por conta disso, os setores de ração e de carnes estão reivindicando algum mecanismo do governo brasileiro que dê mais previsibilidade sobre os embarques realizados. Isso evitaria “especulação”, disse o presidente da associação da indústria produtora de aves e suínos ABPA, Ricardo Santin.

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