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Análise-Turbulência nos mercados emergentes pode trazer controles de capital de volta ao radar

A pandemia do coronavírus e o colapso dos preços do petróleo têm tornado os mercados emergentes para-raios para fluxos voláteis de capital, levantando a questão sobre se controles cambiais podem voltar ao radar de alguns dos países mais atingidos.

Desde a crise de 1998, a maioria dos grandes países em desenvolvimento tem aceitado que o valor das divisas é mais bem determinado pelos mercados, uma tese que lhes serviu bem ao longo dos anos em que a depreciação da taxa de câmbio permitiu que suas economias se ajustassem a novas circunstâncias.

Mas essa sabedoria tem sido colocada à prova nas últimas semanas, à medida que o tombo nos mercados globais viu investidores liquidarem ativos indiscriminadamente. Quase 80 bilhões de dólares fugiram de ações e títulos emergentes em fevereiro e março, segundo dados do Société Générale, com base em números de um conjunto de grandes países em desenvolvimento.

“Há algumas evidências iniciais de um colapso sem precedentes na mobilidade global de capital que, se sustentado, irá tornar tentador que países conservem seus recursos cambiais via imposição de restrições a saídas de capital”, disse David Lubin, chefe de economia de mercados emergentes do Citi.

Esse seria especialmente o caso se governos fossem pressionados a oferecer aos cidadãos compensação total pelas perdas infligidas por paralisações na economia e determinassem outras restrições para impedir a propagação do coronavírus, disse Lubin.

E, nos mercados emergentes, a questão dos fluxos de investimento tende a ser especialmente importante, disse ele. “Quando as entradas de capital desaparecem, os mercados emergentes que dependem desse capital sofrem um grande colapso da demanda.”

A forte venda de moedas de mercados emergentes nas últimas quatro semanas foi uma das mais acentuadas já registrada, acompanhando o ritmo de depreciação durante a crise financeira global de 2008, segundo o JPMorgan.

Divisas como o peso mexicano MXN= e o rublo russo RUB= se desvalorizam entre 15% e 20% em relação ao dólar norte-americano este mês, enquanto o rand sul-africano ZAR= e o real brasileiro BRBY caem, aproximadamente, 11%.

A questão das saídas de investimentos do portfólio foi agravada pelo colapso dos preços do petróleo CLc1, LCOc1 e de outras commodities, o principal pilar de muitos países da África e da América Latina. Seus pares na Ásia ou na Europa Oriental estão sendo prejudicados pela queda nas exportações de bens e serviços.

O cenário pode levar tempo para melhorar –muitos economistas esperam uma recessão econômica global em 2020. Por enquanto, as pressões cambiais têm diminuído, após injeções maciças de dinheiro pelo Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) para enfraquecer o dólar.

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Economias Sob Estresse

O debate sobre restrições de capital entrou no radar no mês passado, quando Kristalina Georgieva, a nova diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), disse que taxas de câmbio flutuantes podem não ser o amortecedor mais adequado para economias em desenvolvimento sob estresse.

O Fundo está repensando sua abordagem para a combinação correta de políticas, acrescentou.

Muitos entenderam que isso significava que o Fundo –um rígido oponente de controles de capital durante crises passadas, como a de 1998– estava abrandando sua posição em decorrência das dificuldades específicas que os países pobres enfrentam, incluindo baixas reservas cambiais e níveis mais altos de inflação.

O estigma associado a controles de capital pode já ter diminuído um pouco quando Islândia e Grécia recorreram a eles em 2008 e 2015, respectivamente.

Os mercados emergentes ainda vêem as restrições de capital como uma medida de último recurso. A Nigéria os introduziu no final de 2014, depois que um choque no preço do petróleo devastou sua economia. A Argentina impôs restrições em setembro passado para conservar as cada vez menores reservas cambiais e impedir a depreciação do peso ARS=.

Até o momento nesta crise, a maioria dos bancos centrais de mercados emergentes –do Brasil à Indonésia, passando pela África do Sul– reduziu as taxas de juros para apoiar o crescimento. Muitos também estão intervindo nos mercados de moedas, mas os movimentos são limitados pela necessidade de conservar as reservas cambiais.

Claro que também existem outras ferramentas. Os países podem aumentar as taxas de juros ou solicitar apoio financeiro do G20 ou do FMI.

Restrições de capital poderiam fazer parte dessa caixa de ferramentas, observou Saad Siddiqui, do JPMorgan, embora ele duvide de sua eficácia.

“Restrições adicionais ao fluxo de capital não fizeram parte da resposta política até o momento e dificilmente oferecerão alívio no médio prazo, dada a natureza do choque”, afirmou.

Medidas altamente restritivas podem ser debilitantes, sufocando fluxos de investidores estrangeiros temerosos de terem recursos presos em um país sem meios de repatriá-los. Os países também correm o risco de serem retirados de vários índices de ações e títulos.

Mas existem variações nesse sentido que podem se tornar mais prevalentes.

A Turquia flertou parcialmente com a ideia de controles quando seus bancos locais pararam brevemente de negociar liras TRY= com seus contrapartes estrangeiros em março do ano passado.

Isso amorteceu a liquidação da lira, mas possivelmente à custa de muita confiança dos investidores.

Simon Quijano-Evans, economista-chefe da Gemcorp Capital, não espera controles completos de capital, mas calcula que o modelo de Ancara possa ser copiado, incluindo o aumento das taxas no curto prazo ou a proibição de posições vendidas nas moedas.

“Se essa crise do vírus continuar e você sofrer uma ruptura maciça nos mercados de moedas por causa de um dólar massivamente mais forte, nessa situação temos que pensar em tudo”, disse Quijano-Evans.

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